quarta-feira, 1 de maio de 2013

Fumaça de cigarro, mesmo apagado, impregna ambiente e eleva risco de câncer

Fumaça de cigarro, mesmo apagado, impregna ambiente e eleva risco de câncer                                                                                            

Antes o cigarro só fazia mal a quem fumava. Depois passou a ser vilão também para quem inalasse a fumaça, ou seja, mulher de fumante é fumante passiva. Agora, de acordo com pesquisadores americanos, o tabagismo ganha mais uma culpa: mesmo com a brasa já há tempos apagada, ambientes devidamente defumados pelo tabaco são impregnados de partículas com efeitos cancerígenos por até dois meses, batizados com a expressão inglesa “thirdhand smoke”, ou “fumo de terceira mão”, em tradução livre.

Isso mesmo, se seu filho vai à escola no carro em que você fuma o resto do dia, ele está mais exposto que aquela criança com pais que não gostam de tabaco.

Como se trata de um tema de estudo recente - os primeiros trabalhos de referência começaram a ser publicados em 2009 -, o que se conseguiu provar até agora é que o risco existe. Mas ainda não se sabe se o fumo passivo é mais ou menos perigoso que o efeito dos ambientes impregnados por nicotina.

Reação devolve cancerígeno ao ar

A principal substância em questão é a nitrosamina. É o cancerígeno resultante da queima da nicotina e se apresenta em várias versões. Um estudo da Universidade de Berkeley, na Califórnia, tido como referência desde então, provou que o óxidos de nitrogênio disponíveis no ar, sobretudo nas grandes concentrações urbanas e industriais, reagem com a nicotina impregnada a ponto de torná-la de novo em nitrosamina inalante. O problema é que resíduos de nicotina têm capacidade de ficar depositados em superfícies de ambientes fechados, assim como em tecido e na pele humana.

Neste caso, entra em cena uma nova vítima do cigarro: nem o primeiro, aquele que traga; nem o segundo, que respira a fumaça; mas o que convive com a nitrosamina que reagiu com o óxido nítrico.

- Sabemos muito pouco sobre os riscos do “fumo de terceira mão” em separado daqueles causados pelo fumo passivo, sobretudo porque é difícil medir um sem o outro. Crianças que são expostas à fumaça também frequentam ambientes impregnados pelas partículas - explica a pediatra Suzanne Tanski, da Universidade de Dartmouth-Hitchcock, nos EUA, e uma das pioneiras do estudo dos efeitos dos resíduos da nicotina.

Resíduos agridem DNA humano

Mas, as pesquisas avançam. Existem nitrosaminas que não estão na fumaça do cigarro, mas são formadas tempos depois de impregnarem o ambiente e reagirem com a poluição, como a substância conhecida pela sigla NNA. Mohamad Sleiman, pesquisador de Berkeley, publicou mês passado em coautoria com outros cientistas americanos uma pesquisa que analisou como as células humanas se comportam sob o efeito do NNA. Culturas de células expostas a este tipo de nitrosamina tiveram o código genético mais danificado que outras sem a substância. Entre as causas do desenvolvimento de câncer está a agressão química ao DNA.

- Nossas pesquisas mostraram que materiais porosos, como o algodão, podem absorver ou reter mais resíduos da fumaça que materiais menos porosos, como o vidro - conta Sleiman. "Há vários produtos que são usados para remover a sujeira da nicotina, como vinagre, bicarbonato de sódio, limpadores de vidro e, para carpetes, trissulfato de sódio, mas precisamos de mais pesquisas para estabelecer protocolos para a remediação do fumo de terceira mão", completa.

Ricardo Meirelles, pneumologista da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer, explica que os estudos americanos elevaram as restrições ao fumo para um novo patamar. O efeito retardado da fumaça vira, portanto, mais uma prova contra os fumódromos em ambientes fechados, já devidamente proibidos desde o fim de 2011 por uma lei federal que substituiu parte da lei antifumo de 1996.

- Foram descobertas 11 substâncias cancerígenas liberadas pela reação com o óxido nítrico - disse o pneumologia sobre as nitrosaminas, entre as quais inclui-se o NNA, exclusividade do fumo de terceira mão. "O tempo tem revelado mais e mais riscos ligados ao cigarro, e as restrições ao fumo não se tratam de discriminação com os fumantes, é questão de saúde pública".

Meirelles reivindica agora a regulamentação da lei federal antifumo pelo Congresso Nacional. Falta estabelecer a punição para quem descumprir a norma. Ele reclama que a lei da forma que está ainda não consegue vencer contradições impostas por legislações de alguns estados. Como vanguarda, ele destaca os estados de Paraná, Rondônia, São Paulo e Rio de Janeiro, que têm suas próprias leis de ambientes livres do cigarro, ou seja, não pode nem no fumódromo, só ao ar livre.

A lei federal não especifica a proibição em quartos de hotéis, mas há redes de hospedagem que escolheram ser mais rigorosas e proibiram também o fumo dentro das instalações fechadas, grande vantagem para quem não gosta de conviver com estofados e cortinas impregnados de nicotina, cheiro agora tido como nocivo.

Até a lei federal de 2011, no entanto, muita fumaça teve que ser dispersa. Apenas em 1950, séculos depois da introdução do fumo como hábito entre europeus e seus descendentes, um estudo britânico conseguiu associar a queima do tabaco ao câncer. Só 34 anos depois, a partir de uma pesquisa japonesa feita com mulheres de fumantes, a ciência provou pela primeira vez que o fumo passivo aumentava os riscos de morrer com a doença. Naquela época, fumava-se indiscriminadamente em qualquer lugar, até em avião ou na frente dos filhos sem a menor culpa.

Hoje soaria absurdo, mas no Brasil dos anos 80 existiam até chocolates em forma de cigarrilhas, com uma criança “fumante” sorrindo na embalagem. De acordo com o pneumologista Luiz Carlos Corrêa da Silva, da Comissão Antitabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia, são as crianças as mais sensíveis aos efeitos do cigarro.

- Se há cheiro de cigarro, é por que existem partículas inalantes. Cada descoberta se soma à constatação de que não existe nível tolerável ao convívio com o cigarro - diz o pneumologista sobre o fumo de terceira mão. "Quanto menor a criança, mais suscetível à fumaça ambiental. O pulmão, até os 8 anos, é imaturo, pois ainda não tem o número de alvéolos de um adulto".

O consultor Carlos Rossi viveu bem a mudança de status do cigarro na sociedade. Largou o cigarro e agora fuma charutos, segundo ele, com menos frequência. A aversão à fumaça começa dentro de casa. A filha de 17 anos odeia o cheiro. Com o nascimento do filho no ano passado, Rossi aboliu de vez a fumaça em casa. Charutos, só dentro das lojas do ramo, ou na varanda, que é isolada.

- Antigamente não havia consciência sobre os efeitos da fumaça, agora não exponho de forma alguma meus filhos. Nem no carro eu fumo - diz o consultor, que contou que as dificuldades com o mergulho esportivo também o incentivaram a deixar o cigarro.

Largar a dependência é, de fato, uma vitória. Jaqueline Issa, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, em São Paulo, diz que, na lista de substâncias que causam dependência, a nicotina só perde para a heroína e o crack na dificuldade em largar.

- Os estudos de contaminação de ambientes podem ajudar a mudar o comportamento a respeito do fumo. O carro hoje virou o fumódromo dos pais conscientes, mas provou-se que isso não é mais seguro - resume Jaqueline, que faz coro pela regulamentação da lei que proibiu os fumódromos.
Autor:
OBID Fonte: O GLOBO

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