terça-feira, 19 de novembro de 2019

Usar maconha só na juventude também pode impactar vida dos filhos

Diversos estudos já mostraram que o uso frequente de substâncias como álcool e maconha pode ter repercussão na saúde física e mental dos filhos de usuários. Mas uma pesquisa que acaba de ser publicada pela Universidade de Washington, nos EUA, sugere que não é só o abuso ao longo da vida que conta – consumir cannabis apenas durante a adolescência também pode ter impacto para os descendentes.
O trabalho, publicado no periódico Psychology of Addictive Behaviors, analisou duas gerações consecutivas. Os pais eram homens e mulheres de 426 famílias norte-americanas que foram entrevistados a partir de 1980. Em 2002, quando os participantes tinham cerca de 27 anos de idade, aqueles que tiveram filhos foram recrutados novamente, e as crianças foram acompanhadas até a adolescência.
A primeira geração analisada foi dividida em quatro diferentes grupos: 1) não usuários; 2) pessoas que usaram maconha somente na adolescência; 3) indivíduos que iniciaram o uso só por volta dos 20 anos de idade; e 4) usuários crônicos ou frequentes. Os pesquisadores avaliaram uma série de marcadores de saúde e qualidade de vida, como uso de outras substâncias (como cigarro e álcool), nível de atenção, notas na escola ou na faculdade, comportamentos de risco, envolvimento em crime e situação financeira.
Usuários crônicos apresentaram piores condições de saúde e qualidade de vida em relação a não usuários, segundo a primeira análise. E aqueles que limitaram o uso de maconha à adolescência ficaram no meio do caminho, com desempenho acadêmico e situação financeira pior que a de não usuários.
Então a equipe foi examinar a geração seguinte, ou seja, os filhos e filhas desses participantes do primeiro estudo. Ao todo, 380 famílias foram incluídas na segunda leva. Como esperado pelos pesquisadores, crianças e adolescentes cujos pais eram usuários crônicos apresentaram uma tendência maior a usar álcool e maconha.
Mas o que surpreendeu a equipe foi o comportamento dos filhos de quem usou maconha apenas na adolescência: eles foram 2,5 vezes mais propensos a usar maconha e 1,8 mais propensos a consumir álcool em relação aos filhos de não usuários.
Filhos de indivíduos que começaram a usar maconha mais tarde, por volta dos 20 anos, não apresentaram a mesma tendência a usar substâncias psicoativas. Porém, o estudo indica que essas crianças e adolescentes apresentaram problemas de atenção e notas mais baixas na escola.
Ainda são necessárias mais pesquisas para confirmar esses resultados e entender essa conexão. É possível, por exemplo, que o impacto de uma geração para outra tenha a ver com atitudes em relação à maconha – muitos pais não veem grandes problemas em flagrar o filho adolescente com a droga porque eles próprios tiveram suas aventuras na juventude e depois pararam.
Nos EUA, 33 Estados já legalizaram o uso medicinal e/ou recreativo da maconha, por isso é fundamental que esse impacto futuro seja bem investigado. No Brasil, a droga ainda é proibida, mas as opiniões sobre ela têm sido mais moderadas, o que pode aumentar o acesso dos adolescentes à substância. Seja você contra ou a favor da liberação, a maconha (assim como álcool) deve ser evitada pelos mais jovens.
Fonte: Dr. Jairo Bauer

domingo, 1 de setembro de 2019

Adolescentes que fumam e bebem têm prejuízos à saúde já aos 17 anos, aponta estudo

Pesquisa mostrou que estes hábitos levam ao enrijecimento precoce das artérias ainda na juventude; no Brasil, o consumo de tabaco vem caindo entre adolescentes, mas o de bebida está aumentando.
Por BBC
Adolescentes que bebem e fumam já têm danos perceptíveis em suas artérias aos 17 anos de idade, concluiu um estudo.
Testes conduzidos por pesquisadores da Universidade College London e da Universidade de Bristol, ambas no Reino Unido, mostraram que há um enrijecimento das artérias por conta desses hábitos quando ainda se é bem jovem.
Este efeito está ligado a um aumento do risco de problemas cardíacos e em vasos sanguíneos, como AVC e infarto, em idade mais avançada.
Publicada no periódico científico European Heart Journal, a pesquisa também detectou, contudo, que as artérias dos adolescentes voltaram ao normal quando eles pararam de fumar e beber.

Fumar e beber levam a problemas arteriais precoces

Os cientistas estudaram dados coletados entre 2004 e 2008 de 1.266 pacientes que participaram do Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), que reuniu informações de saúde de 14,5 mil famílias de Bristol, na Inglaterra
Os participantes detalharam seus hábitos em relação ao tabaco e à bebida aos 13, 15 e 17 anos, e exames foram realizados para verificar se havia ocorrido algum enrijecimento arterial.
Foi informado, por exemplo, quantos cigarros já se havia fumado na vida e a idade em que se começou a beber álcool, além da frequência e intensidade com que faziam isso.
Entre aqueles que haviam fumado mais de cem cigarros até o momento dos testes ou que consumiam mais de dez doses de álcool nos dias em que bebiam havia uma maior incidência de enrijecimento das artérias do que entre participantes que tinham fumado menos de 20 cigarros durante a vida ou tomavam menos de duas doses nos dias em que consumiam álcool.
“Beber e fumar na adolescência, mesmo em níveis inferiores àqueles informados em estudos com adultos, está associado a enrijecimento arterial e à progressão da arterioesclerose”, diz o autor principal do estudo, John Deanfield, do Instituto de Ciência Cardiovascular da Universidade College London.
Marietta Charakida, que participou da pesquisa, explica que o dano aos vasos sanguíneos por conta destes hábitos “se dá ainda em um momento precoce da vida”. “Quando se faz as duas coisas juntas, os prejuízos são ainda maiores”, diz Charakida.
“Ainda que estudos mostrem que adolescentes vêm fumando menos nos últimos anos, nossos resultados indicam que aproximadamente um a cada cinco fuma aos 17 anos. Em famílias em que os pais são fumantes, há maior probabilidade de adolescentes fumarem.”

Fumo em queda e bebida em alta entre adolescentes no Brasil

No Brasil, estima-se que 18,5% dos adolescentes brasileiros entre 12 e 17 anos, ou 1,8 milhão de jovens, já experimentaram cigarro, de acordo com um estudo divulgado em 2016.
A pesquisa Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes, feita pelo Ministério da Saúde e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com outras 33 instituições de ensino superior, consultou 75 mil adolescentes de 1.251 escolas públicas e privadas em 124 municípios do país, por meio de questionários e exames.
Em 2009, um outro estudo, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, apontou que 24% dos adolescentes tinham fumado pelo menos uma vez, o que indica que o número de fumantes neste grupo pode estar em queda. No entanto, o público-alvo desta pesquisa tinha entre 13 e 15 anos.
Ao mesmo tempo, o consumo de bebida alcoólica vem aumentando entre adolescentes, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, divulgada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O trabalho mostrou que 55,5% dos 2,6 milhões de estudantes que estavam no último ano do ensino fundamental já haviam bebido alguma vez na vida, um crescimento em relação ao levantamento de 2012, quando 50,3% estudantes disseram já ter feito isso. E 21,4% dos participantes do estudo mais recente tiveram algum episódio de embriaguez na vida.
“Isso merece um cuidado maior do governo. Hoje, as campanhas dizem ‘se beber, não dirija’, mas não falam para não beber. As empresas de bebidas vão continuar a fazer propaganda livremente se não forem pressionadas, como ocorreu com o fumo”, afirma Caiafa.
“Estudos mostram que beber moderadamente até pode fazer bem, mas o álcool não deixa de ser uma droga e, se consumido em excesso, gera alterações hepáticas e ganho de peso, enrijece as artérias e aumenta as chances de um AVC. Se tem esses efeitos, precisa ser controlado. O álcool talvez esteja sendo subestimado.”

‘Sinal encorajador’

Caiafa avalia que o estudo britânico traz novidades ao mostrar o impacto do álcool e da bebida ainda na juventude. “Já sabíamos dos efeitos negativos a médio e longo prazo, mas não a tão curto prazo”, diz.
Ele explica que esses hábitos danificam a parede das artérias, gerando uma lesão à camada interna dos vasos, o que leva à formação de placas, provocando um enrijecimento e estreitamento arterial e, como consequência, há um aumento da pressão sanguínea.
“O estudo mostrou que essa inflamação diminui quando a pessoa para de fumar e beber e que o organismo se recupera, mas é preciso cuidado, porque, se a obstrução estiver em estágio avançado, dificilmente vai regredir.”
Metin Avkiran, diretor médico associado da British Heart Foundation, organização que financiou parte da pesquisa, diz que o fato dos danos poderem ser revertidos é um “sinal encorajador”.
“Parar de fumar é a melhor decisão que você pode tomar para proteger seu coração. E, se você bebe, não o faça de forma excessiva e siga as recomendações (das agências de saúde)”, afirma.
* Com reportagem de Rafael Barifouse, da BBC News Brasil em São Paulo

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O que drogas, games e redes sociais têm em comum

O que drogas, games e redes sociais têm em comum

Nosso colunista faz uma viagem cérebro adentro para explicar como surgem e se perpetuam os mais diversos vícios
Por Luiz Gustavo de Almeida*
“Ficar sem poder utilizar (…) pode fazer com que certas pessoas se sintam ansiosas ou em pânico, com abstinência e sensação de vazio. Indivíduos dizem sentir uma vontade cada vez maior (e às vezes inconsciente) de usar (…) novamente, não importa onde. Na fila do banco, na sala de espera de uma consulta ou em casa, podendo ocorrer inclusive na presença de familiares. Diferentemente dos primeiros dias, mais horas são dedicadas a (…) para obter o mesmo nível de prazer. Pessoas são avistadas fazendo uso (…) ao ar livre, sem que ocorra interação com os usuários que estão ao lado…”
O trecho acima pode ser a descrição de um viciado em drogas. Mas será que você se encaixa nesse perfil se trocarmos “drogas” por “redes sociais“, “celular” ou “jogos eletrônicos”. Leia novamente o texto e insira qualquer uma dessas palavras logo após os trechos em negrito. Podem cair como uma luva, não?
A GlobalWebIndex, empresa que compila dados de comportamento do consumidor pelo mundo, revelou que, em 2015, os brasileiros já ficavam aproximadamente três horas e 40 minutos conectados a internet por meio do celular. Isso dá cerca de 26 horas por semana. As redes sociais são os produtos mais consumidos na telinha do smartphone.
Outro levantamento, este feito em 2015 pela National Purchase Diary Panel, companhia americana de pesquisas de mercado, descobriu que 82% dos brasileiros entre 13 e 59 anos jogam algum tipo de game, seja no computador, seja no videogame, seja no celular… O estudo aponta que essa recreação consome, em média, 15 horas semanais dos jogadores.
Olhando esses números parece que somos uma nação de viciados em games e redes sociais, né? Mas o que é realmente considerado um vício? Será que existe semelhança entre a sede incontrolável por drogas, a vontade de passar horas e horas jogando e a compulsão por saber o que está acontecendo na vida das outras pessoas? Vamos entender como nosso cérebro percebe essas situações e ver o que está por trás das cortinas desses comportamentos.

Conversa de neurônio

Antes de entrarmos nos redutos cerebrais do vício e da compulsão, precisamos entender de uma maneira rápida e simples como os neurônios se comunicam.
Existem duas maneiras de as células nervosas conversarem: por sinais elétricos, transmitidos diretamente entre os neurônios, e por um sinal químico, obra dos neurotransmissores. O sinal elétrico é bem mais rápido, enquanto o químico pode ser regulado com muito mais precisão.
Tá, e as drogas com isso? Então, substâncias lícitas e ilícitas atuam muitas vezes se disfarçando de neurotransmissores. Vamos nos aprofundar um pouco mais sobre esses mensageiros químicos.
Imagine aquele brinquedo de criança de encaixar os blocos em formato de círculo, quadrado ou triângulo no buraco correspondente. Agora faça de conta que os blocos são os neurotransmissores, a criança é o neurônio que libera os neurotransmissores e a caixa é o outro neurônio que absorve os neurotransmissores por meio dos seus neuroreceptores, os buraquinhos com as formas geométricas correspondentes.
Nesse mesmo brinquedo, hoje mais moderno, soam barulhos diferentes para cada bloco encaixado com sucesso. Pois bem, você acaba de entender como funciona uma sinapse química.
No nosso cérebro, ocorrem milhões de sinapses químicas o tempo todo. Nesse bate-papo entre neurônios, eles ficam a uma distância de cerca de 40 nanômetros um do outro e não se tocam fisicamente. Para ter uma noção desse espaço, um fio de cabelo tem 75 mil nanômetros de diâmetro. Sim, é muuuito pequeno. Nesse minúsculo pedaço neurotransmissores são liberados por um neurônio e assimilados pelos neuroreceptores do outro neurônio.
Voltemos ao nosso brinquedo de encaixar. Assim que uma criança pega um bloco (círculo, triângulo…), existem quatro possíveis destinos no jogo:
  1. O bloco é colocado no lugar certo e a música toca;
  2. O bloco não encaixa e vai parar junto com os outros blocos;
  3. A criança pega o bloco de volta e esquece do jogo;
  4. A mãe dá um sumiço no bloco porque quer que a criança faça outra coisa (tipo comer a papinha!)
 No paralelo, quatro cenários são vislumbrados para o neurotransmissor:
  1. Ele pode ser absorvido pelo neurônio seguinte;
  2. Pode se acumular no espaço entre os neurônios;
  3. Pode ser reabsorvido pelo neurônio que o liberou;
  4. Pode ser degradado
Pronto! Depois de uma breve aula sobre os neurotransmissores, vamos lançar nossos holofotes para um deles, a famosa dopamina.

Muito prazer, dopamina!

Esse neurotransmissor atua em diversas frentes: está envolvido com a memória, a regulação do sono, a motivação e o sistema de recompensa. Sistema de recompensa é o circuito ativado toda vez que você faz sexo, foge de algo perigoso, sobrevive a um susto. Nessas horas é como se nosso cérebro nos desse um prêmio e declarasse: “Parabéns, isso foi bom! Faça de novo! Inclusive vou ajudá-lo a se lembrar dessa sua atitude para repetir a dose em breve”.
Essa recompensa pode vir de situações muito diferentes: saltar de paraquedas, por exemplo. Caso você tenha coragem de pular e o dispositivo abrir — isto é, nada trágico lhe acontecer —, um caminhão de dopamina poderá ser liberado durante a queda e o pouso. Isso ativará regiões do cérebro associadas ao bem-estar e, bingo!, você se sentirá o máximo. E o máximo mesmo, porque você acabou de sobreviver a uma situação que seu cérebro insistia em considerar perigosa. Não é à toa que uma porção de gente fica viciada em saltar de paraquedas ou praticar outros esportes radicais.
A recompensa vem de formas menos radicais também. Comida com muita caloria faz seu cérebro se sentir feliz e julgar esses alimentos como algo muito bom e necessário. De batata frita em batata frita, nossa cabeça passa a interpretar o seguinte: “Por que você não come mais? Por que não dá sempre preferência a esse tipo de comida? Vai que não temos mais essa delícia amanhã…” A indústria alimentícia sabe disso. Por que você acha que temos tantos produtos altamente calóricos e com pouco valor nutricional na prateleira do mercado e no balcão das lanchonetes?
Comida calórica, quedas vertiginosas pelo céu, drogas… Eis a dopamina em ação. Tudo que nos dá muito prazer induz liberação de dopamina e estimula o pedido de “quero mais!”. Parece a receita da felicidade, certo? Será? Hora de ver o outro lado da moeda: o vício.

Que vício foi esse?

Nosso cérebro é tão fantástico que equilibra a liberação de dopamina e outros neurotransmissores. Sim, não se vive só de prazer. Como explicamos, neurotransmissores podem ser reabsorvidos pelo próprio neurônio que o liberou e, assim, a massa cinzenta tem um controle mais preciso para estimular determinada cadeia de células nervosas.
O vício acontece quando esse equilíbrio é quebrado. Um neurotransmissor não volta para onde devia ou é liberado numa proporção muito maior que o normal. São coisas que podem acontecer inclusive em razão de uma predisposição genética.
Os vícios por drogas e por certos comportamentos são fisiologicamente parecidos, ou seja, ocorrem no mesmo lugar do cérebro e ambos se sustentam em uma dependência bioquímica. A grande diferença é que o vício comportamental faz com que o cérebro tenha um desequilíbrio químico momentâneo. Como consequência, você terá vontade de sentir de novo aquela sensação um tempo depois. E isso pode acontecer até o ponto de o cérebro perder o comando e não conseguir mais cortar tal estímulo, o que atrapalha a vida e suas obrigações.
Com as drogas, há uma mudança química no cérebro. As substâncias podem agir diretamente no mecanismo de reabsorção da dopamina ou até mesmo se disfarçar de neurotransmissor. É como se passassem a ter certo domínio sobre a nossa cuca. Quer um exemplo de quem faz uma coisa dessas? Vou soprar a resposta: a nicotina.

Obrigado por fumar

Dos inúmeros componentes do cigarro, a nicotina é, com certeza, o pior elemento em matéria de vício. Ela se passa por um neurotransmissor, a acetilcolina, para enganar o cérebro. A acetilcolina é uma espécie de gerente de fábrica e controla a linha de montagem da dopamina. Quanto mais acetilcolina houver monitorando a fábrica, mais dopamina será produzida.
Quando um fumante dá uma tragada, é como se um bando de gerentes mandasse todo mundo fazer hora extra. Resultado: uma enxurrada de dopamina se espraia pelo cérebro. Vem uma sensação prazerosa, uma vontade de vestir o chapéu de caubói, montar um cavalo e sair galopando e soltando fumaça pelo campo. O cérebro adorou e registra: “Isso foi bom! Lembre-se disso! Repita mais vezes!”
Mas digamos que a nicotina é tão insidiosa que, além de se disfarçar de gerentona, ainda impede que a dopamina volte para o neurônio que a liberou (uma maneira de botar um ponto final no prazer). Isso permite com que a região entre os dois neurônios fique inundada de dopamina. Agora dá para entender por que o cigarro vicia tanto e muita gente sofre para abandoná-lo. Quando o sujeito para de fumar, os níveis de nicotina desabam e, por consequência, os de dopamina também caem. Aí nasce a abstinência. O que, bioquimicamente, significa: “Por favor, quero mais dopamina… Me encha de dopamina!”
Como a acetilcolina tem outras funções — participa da memória, do aprendizado, da respiração, do ritmo cardíaco, dos movimentos musculares… —, a nicotina bagunça muito o organismo.
Falamos de cigarro, mas a tal dopamina é o mesmo neurotransmissor excitado por drogas como cocaína e heroína. Existem substâncias que causam um desequilíbrio ainda maior entre os mensageiros químicos, mas digamos que a nicotina faz um trabalho bem sujo.

Seu cérebro já curtiu hoje?

Diferentemente das drogas, nas redes sociais (Facebook, Instagram…) sentimos prazer por fazer parte de um grupo, especialmente se ele tem pessoas com pensamentos parecidos com os nossos. Ao compartilhar uma notícia, ideia ou prato de comida, esperamos que nossos amigos virtuais curtam e comentem a postagem.
Quando nossos posts recebem um monte de curtidas e visualizações, nosso cérebro entende que essa atitude é digna de recompensa e sentimos prazer. Tome dopamina! Caso o post não tenha sucesso, ficamos frustrados.
Além disso, as redes podem gerar aquela compulsão por atualizar a página a cada cinco minutos. Sentimos que precisamos acompanhar tudo o que acontece. O que nossos amigos andam fazendo, por onde estão viajando, o que comem e curtem… E, claro, lá vem a necessidade de se expor e fazer o mesmo. Caso contrário, você fica fora da conversa… Fora do grupo.
Uso a palavra “compulsão” para me referir a comportamentos excessivos diante das mídias sociais porque ainda não há estudos suficientes para bater o martelo quanto a um “vício”. No vício, as pessoas perdem o controle. Não conseguem parar de usar uma droga ou repetir certo comportamento. E ainda não foi reportado um caso de um indivíduo que deixou de comer ou fazer outras atividades para viver exclusivamente nas redes sociais.
Já no caso dos jogos eletrônicos a coisa muda de figura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) passará a classificar o vício em games como um transtorno psiquiátrico a partir deste ano. Já existem diversos relatos e estudos comprovando que pessoas deixam de comer para jogar. Sites de notícias internacionais já divulgaram casos de mortes por parada cardíaca causadas pela exaustão de dias de game sem comer e dormir.
Jogos eletrônicos, particularmente os online, ativam o sistema de recompensa rapidamente. No começo, o jogo é tranquilo e fica fácil obter as vitórias. Mas, conforme as fases avançam, torna-se mais difícil cumprir as missões. Isso demanda horas extras destinadas ao jogo. Além do êxito individual (“fechei mais um!”), há o sentimento de ser reconhecido na comunidade online que também joga. É evidente que a maioria dos jogadores não se vicia e corre riscos de saúde por causa dos games, mas cabe uma reflexão se você passa horas no computador, videogame ou smartphone.

Você no comando

Como pisar no freio de vícios e compulsões? Como deixar de ser refém das redes sociais? Bom, se a situação fugiu de controle, melhor procurar um profissional de saúde. Mas saiba que, por mais contraditório que pareça, existem aplicativos de celular, caso do Forest: Stay Focused (para Android) e do Moment(iOS), que nos incentivam a deixar o smartphone de lado por alguns minutos e nos dão recompensas virtuais por isso. O Forest planta uma árvore para cada período longe de outros apps. O Moment avisa se você passou tempo demais olhando para o celular.
Outra dica: se você sente que abusa, torne o acesso às mídias sociais mais difícil. Desabilite as notificações que pipocam na parte superior da tela o tempo inteiro. Desinstale os aplicativos que ficam apitando. Busque diminuir, aos poucos, quanto tempo você passa nas redes. Se você olha sua timeline 20 vezes por dia, reduza para 15 na primeira semana e por aí vai.
O mesmo conselho se aplica aos games. É complicado parar de jogar de uma vez. Limite a quantidade de horas de jogo e o número de partidas, intercalando com outras atividades que drenam as forças da compulsão.
E, agora, por favor, curtam e compartilhem (com moderação!) este artigo para meu cérebro receber uma pequena dose de dopamina.
* Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science na cidade de São Paulo, além de fundador e colaborador do blog Café na Bancada
Fonte: Saúde Abril

USP associa microcefalia a cigarro e álcool na gravidez antes de surto da zika no Brasil

USP associa microcefalia a cigarro e álcool na gravidez antes de surto da zika no Brasil

Pesquisadores de Ribeirão Preto e do Maranhão levantaram evidências de que doença era endêmica no país antes de 2015 e que casos podem ter sido subnotificados.
Um estudo da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Maranhão apontou evidências de que a microcefalia já era uma doença em crescimento no Brasil antes do surto do vírus da zika em 2015.
Ao analisar bebês nascidos em Ribeirão Preto (SP) e São Luís (MA) em 2010, os pesquisadores levantaram indícios de que a malformação craniana também está associada a fatores como o consumo de álcool e de cigarro na gravidez, e que parte dos casos pode não ter sido notificada pelas autoridades brasileiras nos últimos anos.
“Isso é o principal que podemos discutir daqui pra frente: olhar com mais sensibilidade científica e de curiosidade para perceber que estavam tendo esses problemas e estavam relegados, não estavam tendo importância. Precisou ter um desastre da zika para que se percebesse que se tratava de um grande problema de saúde pública”, afirma Marco Antônio Barbieri, coordenador da pesquisa e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP).
Marco Antônio Barbieri, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP)
(Foto: Reprodução/EPTV)
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, antes do surto de zika, os registros de microcefalia já eram feitos pelo Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (SINASC), mas que, até 2014, referiam-se apenas a casos graves, diferente do padrão adotado pela pesquisa.
“Os autores apresentaram dados de microcefalia em geral, incluindo casos leves e graves, com perímetro cefálico abaixo de -2 desvios-padrão abaixo da média para idade gestacional e sexo ao nascer. Nesse sentido, é possível supor que as estimativas anteriores de microcefalia estivessem subestimadas, uma vez que não incluíam casos com perímetro cefálico entre -2 e -3 desvios-padrão”, comunicou.
Entre 2000 e 2017, de acordo com dados do Sinasc enviados pelo ministério, foram registrados no país 6.694 bebês nascidos com microcefalia, dos quais 4.224 se concentraram entre 2015 e 2017.
Também divulgadas ao G1 pela pasta, informações do Sistema de Informações Sobre Mortalidade (Sim) dão conta de que, nos mesmos 18 anos, 1.949 crianças morreram com a malformação, das quais 445 foram entre 2015 e 2017.

O estudo

Ao todo, os pesquisadores da USP e da UFMA avaliaram 10,3 mil crianças nascidas em Ribeirão Preto e São Luís e evidenciaram um índice acima do esperado de bebês com crânio reduzido.
As taxas foram respectivamente de 2,5% e 3,5%, diante de uma incidência máxima de 2,3% utilizada como parâmetro internacional, segundo Barbieri. “O risco de nascer com microcefalia foi maior em Ribeirão do que o esperado e maior ainda em São Luís.”
O professor estima que, em média, a cada 10 mil bebês nascidos, 290 tinham características de microcefalia e podem não ter sido diagnosticados corretamente.
Além da zika, a malformação, segundo ele, está associada a fatores sociais, reprodutivos, demográficos e de estilo de vida.
Entre eles estão descuidos do período pré-natal, como o consumo de álcool e cigarro na gravidez, as condições do atendimento e da realização do parto, além de infecções causadas por doenças como sífilis congênita e,rubéola.
“É importante que se tenha atenção a esse grupo grande de variáveis que podem contribuir para aparecer problemas desagradáveis pro resto da vida do ser humano”, afirma Barbieri.
Publicadas na Pediatric Official Journal, periódico da Academia Americana de Pediatria, as conclusões sobre Ribeirão Preto e São Luís podem ser expandidas para o âmbito nacional e reforçam a necessidade de se atuar na prevenção da microcefalia, segundo o pesquisador.
“Têm fatores patológicos que estão interferindo e levando a uma endemia de microcefalia e microcefalia grave nessas duas cidades e, portanto, pode ser extrapolado para o Brasil.”
Fonte: G1