Somos seres em construção
Desde o momento em que somos lançados ao mundo, através de um
processo de “expulsão” do ventre materno, passamos a necessitar do cuidado de outro.
Nesse momento da vida, o carinho e o afeto são fundamentais para que o processo
de desenvolvimento aconteça. Sabemos, porém, que essa acolhida amorosa nem
sempre acontece na vida de todo recém-nascido. Algumas situações, tais como: gravidez
indesejada, tentativa de aborto, uso de substâncias tóxicas que comprometem a
formação do feto, surpresas do sexo da criança e até mesmo possíveis síndromes,
podem despertar uma reação primeira de desamor por parte das figuras paternas.
Sermos nutridos com carinho e amor é, antes de tudo, na
condição humana, um apelo à sobrevivência. Isso equivale a dizer que não há
possibilidade de desenvolvimento das características humanas se não houver a
construção ou estabelecimento do vínculoe a transmissão e vivência dos
sentimentos que são próprios do ser humano. É nessa dinâmica que se realiza o
processo de aprendizado e orientação de conduta de uma pessoa
Os fatos nos mostram que, em sua grande maioria, os filhos
que receberam um cuidado excessivo dos pais padecem por insegurança, são
dependentes e têm dificuldades para tomar iniciativas, em razão da incapacitaçãoadvinda
do desenvolvimento relacional entre eles.
Outro exemplo extremo é a negligência no cuidado e na
construção do vínculo amoroso entre pais e filhos. O pouco amor dispensado
poderá formar umapercepçãode que alguma coisa não vaibem, não está OK,resultando
numa situação de desamparo sentida pelo filho. Essa percepção precoce poderá
ocasionar, posteriormente,uma busca desenfreada por compensações.E tal conduta
terá como fio condutoro olhar valorativo diminuído do próprio sujeito sobre si
mesmo. Problemas relacionados à estima serão uma constante na estrutura
psíquica do mesmo.
É preciso considerar que algumas formas de estimulação dadapelos
pais aos filhos não têm se mostrado eficaz; ao contrário, apontam para graves
dificuldades que envolvem resoluções de problemas, relacionamentos
interpessoais conturbados e uma necessidade gritante da presença mais
qualitativa dos pais em relação aos filhos. Sem esquecer que é através dela que
os valores do conviver humano são transmitidos.
As portas dessa construção, iniciada na infância, serão
abertas na vida adulta, e nesse espaço de revisão, nos defrontaremos com o que
fizeram de nós. Olharemos para o que internalizamos como certo ou errado,
normal ou anormal, o que se deve ou não fazer. A própria natureza e a realidade
em que estamos inseridos nos farão confrontar o que recebemos (passado)com o
que pretendemos ser (futuro ). É desse choque entre o que somos e desejamos ser
que brotará a atitude real do SER no hoje.
Nesse tempo privilegiado de olhar sobre si mesmosomos assombrados pela sensação de impotência frente a novos
desafios. A convicção do que não queremos torna-se evidente em nosso pensamento
e ações, porém não sabemos ao certo o que desejamos. Viver nessa instabilidade,
nos remete à consciência de que somos seres em construção e, por isso,
redimensionar o edifício, dar um novo sentido ao que foi erigido é tarefa
permanente a ser executada. Nós seremos, no futuro, o que desejamos ser e não o
que fizeram de nós.
Enfim, as marcas do tempo, o registro das experiências
vividas, a capacidade de abstração dos fatos devem ser assumidas como partes
constituintes do edifíciohumano. Eé a consciência de que nossa construção está
em andamento, que nos permite realizar as mudanças necessárias e adequadas ao
tempo presente, sem menosprezar o que foi recebido. Cumpre, contudo, agregar o
que nos permite fazer, de um jeito diferente, o que nos ensinaram nossos pais.
Padre Otair Cardoso.
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