Em todos os países do mundo, a aprovação de uma lei geral para regulamentar a questão das drogas gerou controvérsias. É natural que assim seja.
Desde que o presidente da República vetou vários dispositivos do projeto de lei antidrogas oriundo do Congresso, temos lido nos jornais opiniões a favor ou contra a nova lei sancionada e os próprios vetos. Todas elas, principalmente as contrárias, são cuidadosamente analisadas pela equipe da Secretaria Nacional Antidrogas, bem como por outros órgãos, em busca de contribuições para o projeto de lei em elaboração no Poder Executivo, destinado a suprir alguns vazios derivados dos vetos indispensáveis.
Antes desse episódio da sanção da lei, o presidente já havia aprovado a Política Nacional Antidrogas, fruto de um consistente trabalho de validação prática, durante três anos, das sugestões de participantes do I Fórum Nacional Antidrogas, de novembro de 1998.
Essa política deixa claras as diretrizes presidenciais quanto a: 1- definir a marcante diferença entre usuário e traficante; 2 - caracterizar o dependente como doente que necessita de tratamento; 3 - destacar a prevenção primária, por meio da educação formal e informal, como o carro-chefe da redução da demanda; 4-incentivar a Justiça Terapêutica, forma de permitir a alternativa, para os dependentes autores de crimes não graves passíveis de penas de privação da liberdade, de saírem da seara da repressão e retornarem ao regaço da prevenção; 5- descentralizar a execução da prevenção primária até o nível municipal por meio de conselhos municipais antidrogas, com apoio federal, para chegar-se mais estreitamente à família, à escola, à religião e aos locais de trabalho e lazer; 6 - aprovar as medidas de redução de danos; 7- enfatizar o combate à lavagem de dinheiro na repressão; e 8 - estimular a missão de coordenação da Polícia Federal nas ações policiais repressivas em âmbito nacional.
Como se vê, orientações definidoras de um modo brasileiro de enfrentar o problema, sem atrelar-se às maneiras européias ou americanas, mas sem descartar a adaptação, às nossas peculiaridades, de experiências exitosas em outros países e em estados brasileiros, como é o caso da Justiça Terapêutica.
Logo — e retornando aos vetos a alguns pontos do projeto de lei —, o presidente não poderia aprovar dispositivos que beneficiassem narcotraficantes e permitissem possibilidade de encarceramento apenas pelo uso de drogas. Por isso vetou-os.
Lastimavelmente, viu-se obrigado a não sancionar o Art 21, que caracterizava o fundamento de não punir com perda da liberdade os apenas usuários, dado que o texto não estipulava prazos para certas medidas restritivas de direitos, tornando-se inconstitucional.
Como amplamente divulgado, esse artigo e outros, bem como certos parágrafos, terão suas idéias centrais absorvidas por projeto de lei que o Executivo encaminhará brevemente ao Congresso. Como o assunto vinha sendo debatido nas duas casas legislativas havia dez anos, não haverá novidades, e espera-se uma tramitação rápida, inclusive com o apoio de parlamentares lutadores pela causa, a exemplo do deputado Elias Murad e do último relator do projeto no Senado, Ricardo Santos.
Estes são alguns fatos sobre a Lei Antidrogas sancionada pelo presidente. Juntamente com a Política Nacional Antidrogas, comporão o arcabouço político e jurídico de apoio ao dever ético do Estado brasileiro de proteger a sociedade — em especial sua juventude —, pela informação, tratamento de dependentes e repressão ao narcotráfico.
Estaremos diante de um binômio perfeito? A resposta é não, no caso brasileiro e no de todos os demais países. A sociedade, aos poucos, irá mudando a sua visão sobre o problema, inclusive em virtude das rápidas alterações da economia das drogas.
Por exemplo, ao que tudo indica, em futuro próximo, as drogas ditas sintéticas serão mais utilizadas do que as atuais com base em plantas. Como no caso do tabaco, a sociedade poderá mudar os seus níveis de tolerância e tender a não mais aceitar como legítimos os custos governamentais decorrentes do uso individual de drogas. Em futuro não muito distante, no Brasil como nos demais países, serão necessários ajustes na legislação que rege a matéria.
Com humildade, porque ninguém é dono da verdade; paciência, pois é preciso ser repetitivo nas explicações para conseguir o entendimento dos de boa-fé e para não enveredar pelo terreno da polêmica árida; e perseverança, já que esta luta não pode ter trégua, todos, Estado e sociedade juntos, venceremos o desafio.
ALBERTO MENDES CARDOSO é ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e presidente do Conselho Nacional Antidrogas.
Fonte: O Globo - Opinião
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Clayton Bernardes