quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Casos de overdose aumentam, conheça as drogas mais letais


 


(Thinkstock/VEJA/VEJA)
De acordo com dados de um centro americano, o número de mortes causadas por overdose aumentou 23% em quatro anos nos Estados Unidos
Por da Redação

O uso de drogas ilegais e o abuso de medicamentos faz vítimas todos os anos no Brasil e no mundo. Somente de 2010 para 2014, segundo os últimos dados divulgados pelo Sistema Nacional de Estatísticas Vitais, que acompanha a causa de morte através de atestados de óbitos nos Estados Unidos, houve um aumento de 23% em casos de mortes por overdose de medicamentos e drogas.

Entre as principais, estão os chamados opioides, que inclui, além da heroína, analgésicos como oxicodona, morfina, metadona e fentanila. Eles atuam no sistema nervoso e geralmente são indicados para o alívio da dor. Seu uso indevido, porém, pode causar dependência física e sintomas de abstinência.

Depois, entre os mais perigosos, estão os bendiazepínicos, grupo dos sedativos, ansiolíticos, anticonvulsivantes e relaxantes musculares, como alprozolam, mais conhecido como Xanax. E ainda os estimulantes como a cocaína e a metanfetamina.

De acordo com os pesquisadores, o índice de mortes por overdose de heroína triplicou em quatro anos, as por abuso de metanfetaminas duplicou nos últimos cinco anos, e os casos envolvendo fentanil (usado para o tratamento de dor) duplicou no período de apenas um ano, entre 2013 e 2014. No Brasil, faltam dados sobre o número de mortes causadas por abuso de drogas ou medicamentos.

Confira abaixo as dez principais substâncias que levam a overdoses fatais:


Heroína (iStockphoto/Getty Images)


Cocaína (iStockphoto/Getty Images)


Oxycodone (Education Images/UIG/Getty Images)


Alprazolam (BSIP/UIG/Getty Images)


Fentanyl (Joe Amon/The Denver Post/Getty Images)


Morfina (/Getty Images)


Metanfetamina (iStockphoto/Getty Images)


Metadona (Joe Amon/The Denver Post/Getty Images)


Hydrocodone (/Getty Images)


Diazepam (iStockphoto/Getty Images)
Fonte: Veja.com


O preço da abstinência



Cachimbo de metal usado para consumir crack, a versão fumada da cocaína
Oferta de vale-compras ajuda dependentes de crack a evitar o consumo da droga
RICARDO ZORZETTO | ED. 250

Em 2010, o psicólogo André Constantino Miguel decidiu tentar algo ousado. Aprovado na seleção para o doutorado, propôs à equipe que começava a integrar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) a avaliação de uma técnica motivacional da psicologia que ainda não havia sido testada no Brasil nem em dependentes de crack. Ele retornava de dois anos de estudos na Itália, onde havia trabalhado com dependentes de heroína, e não se conformava com o fato de que essa estratégia – o manejo de contingências, útil para reduzir a dependência de álcool, tabaco e cocaína, segundo estudos feitos no exterior – ainda não fosse usada por aqui. Neste ano, ele concluiu sua missão ao publicar na revista Psychology of Addictive Behaviors os resultados do primeiro estudo avaliando o uso do manejo de contingências para auxiliar o tratamento da dependência do crack.

Apenas mais recentemente adotado no tratamento da dependência de drogas, possivelmente por sua natureza polêmica, o manejo de contingências consiste em oferecer uma recompensa sempre que uma pessoa exibe um comportamento considerado desejável.

Essa estratégia, que pode ser usada em várias outras situações, foi desenvolvida a partir do trabalho do psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner. Em experimentos com animais de laboratório, ele havia demonstrado que a consequência de uma determinada ação pode moldar um comportamento. Por exemplo, ratos que recebiam comida (consequência) ao apertar uma alavanca (ação) tendiam a repetir esse ato. Nos anos 1960, outros psicólogos adaptaram o manejo de contingências a tratamentos de dependência química, nos quais a meta a ser conquistada costuma ser a abstinência ou a adesão ao tratamento.

O dependente que consegue passar um período sem consumir a droga que o escraviza recebe um incentivo, em geral financeiro. Por ficar de cara limpa, é remunerado com vale-compras, ingressos para shows, cinema ou teatro e até dinheiro. É uma maneira simples de estimular uma pessoa a repetir um comportamento.

Atenção especializada: dependentes de crack em ala de desintoxicação…

Miguel encontrou uma oportunidade de medir a eficácia do manejo de contingências no dia a dia dos dependentes de crack, a cocaína fumada, ao ser convidado a atuar no ambulatório médico de especialidades (AME) psiquiátricas da Vila Maria, na zona norte de São Paulo. Até então, a técnica havia sido adotada em tratamentos experimentais para aumentar a participação ou a permanência em terapias para obesidade e diabetes ou no tratamento da dependência de heroína, álcool, tabaco e cocaína aspirada, mas não crack.

De agosto de 2012 a julho de 2014, Miguel e outros especialistas convidaram 65 dependentes de crack encaminhados para tratamento no AME-Vila Maria a participar de um experimento. Selecionados de modo aleatório, 32 receberam por 12 semanas o tratamento padrão do ambulatório. Cada participante tinha direito a uma consulta individual por semana com um clínico-geral, psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional ou enfermeiro e poderia participar de atividades em grupo para prevenir recaídas. Essas pessoas integraram o chamado grupo de controle e eram encorajadas a coletar uma amostra de urina às segundas, quartas e sextas e entregá-la para os pesquisadores submeterem a testes que indicam a presença de metabólitos da cocaína ou da maconha.

“Toda vez que o participante submetia um exame negativo para cocaína ou crack, sua abstinência era valorizada”, conta Miguel. “Se o resultado indicava o consumo da droga, o grupo elogiava a adesão ao tratamento e o encorajava a tentar ficar abstinente.”

Os demais 33 integraram o grupo experimental, ao qual, além do tratamento padrão, foi aplicado o manejo de contingências. Eles tinham de ir ao AME-Vila Maria três vezes por semana para realizar os testes de urina para cocaína e maconha e passar pelo bafômetro para avaliar o uso de álcool.

…onde também recebem tratamento odontológico

Toda vez que entregavam uma amostra de urina livre de cocaína recebiam uma recompensa na forma de vale-compras. Os valores começavam em R$ 5, para o primeiro exame negativo, e aumentavam R$ 2 para cada teste subsequente em que não fosse identificado consumo da droga, até chegar ao máximo de R$ 15 por exame. Mais R$ 2 eram acrescentados se, além de abstinente de cocaína, o usuário também não tivesse consumido bebidas alcoólicas. Quem apresentava os três exames semanais negativos para cocaína recebia R$ 20 de bônus. Também havia uma premiação no valor de R$ 10 se os três testes de urina da semana não indicassem uso de maconha. Desse modo, quem permanecesse as 12 semanas completamente limpo recebia um total de R$ 942.

Se houvesse uma recaída – e elas são comuns no tratamento das dependências químicas –, o participante não perdia o dinheiro acumulado. Em vez disso, deixava de receber no momento do teste positivo e o valor retornava aos R$ 5 iniciais no próximo exame negativo.

Das 33 pessoas do grupo dos vale-compras, 7 (21,2%) ficaram as 12 semanas sem usar crack, relatam os pesquisadores na Psychology of Addictive Behaviors. Ninguém do grupo de controle se manteve abstinente durante todo o estudo – só uma (3%) permaneceu oito semanas sem consumir crack, enquanto 9 (27%) das que receberam o estímulo financeiro passaram dois meses abstêmias. Quem ganhou vale-compras, de modo geral, também consumiu menos álcool e maconha.

“À medida que conseguiam manter a abstinência e concordavam em acumular os prêmios para receber valores mais altos, alguns participantes usavam os vales para comprar cesta básica para a mãe ou presente para o filho”, lembra Miguel.

Consumidores e vendedores de crack na alameda Dino Bueno, no centro de São Paulo, onde as pedras são compradas por valores que variam de R$ 5 a R$ 10

Segundo a psicóloga Clarice Madruga, professora da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp e coautora do estudo, a aceitação de acumular os prêmios com o prolongamento da abstinência indica que essas pessoas começaram a suportar o adiamento da gratificação, perdido com a dependência. “O consumo de crack e outras drogas proporciona uma recompensa imediata, que pode ser uma sensação passageira de bem-estar ou alívio, à qual o corpo se habitua”, explica. “É preciso um novo condicionamento para estender o prazo de gratificação.”

Seis meses após o fim do experimento, os pesquisadores ofereceram às pessoas do grupo de controle a possibilidade de serem submetidas ao manejo de contingências. Outra vez, cerca de 20% concluíram o tratamento sem consumir crack.

Ainda que só uma proporção pequena tenha conseguido ficar sem crack, Miguel lembra que isso foi possível em uma situação de vida real, com exposição a riscos, diferente da que ocorre nas internações. “Essas pessoas conseguiram isso mesmo estando no olho do furacão, com a pedra ao lado”, ressalta o pesquisador, que desenvolveu o trabalho sob a orientação do psiquiatra Ronaldo Laranjeira, especialista no tratamento da dependência de álcool e drogas e professor na Unifesp.

A eficácia do manejo de contingências em diferentes estágios do tratamento da dependência é hoje reconhecida pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas (Nida) dos Estados Unidos, um dos principais centros internacionais de estudos sobre abuso de substâncias, que recomenda seu uso. “Recentemente estive em uma reunião no Nida e ninguém mais questiona a efetividade da técnica, adotada em mais de 60% dos serviços norte-americanos de tratamento da dependência de álcool e drogas”, conta Laranjeira. “O debate atual é como implementá-la de modo adequado.”

Oficina de culinária ajuda a criar vínculos com quem ainda não se trata e a capacitar os abstinentes na Unidade Helvétia do programa Recomeço

O manejo de contingências não é, por si só, um tratamento. Está mais para uma ferramenta psicológica destinada a estimular a adoção de comportamentos saudáveis ou desejáveis. “Essa técnica poderia ser implantada desde as ruas até as internações”, afirma Laranjeira, que coordena o Recomeço, programa de enfrentamento ao crack e outras drogas criado em 2013 pelo governo do estado de São Paulo. “Espero que, em breve, possamos ver isso acontecendo na Cracolândia.”

A espiral do vício

Cracolândia é o nome pelo qual se tornou conhecida uma área de uns poucos quarteirões no bairro dos Campos Elíseos, região central de São Paulo. Ali, um público que varia de 600 a mil pessoas, dependendo da hora do dia, fuma pedras de crack pelas ruas – compradas lá mesmo por algo entre R$ 5 e R$ 10. Sujas e com roupas rasgadas, elas caminham muitas vezes descalças, com os pés machucados e feridas pelo corpo que não cicatrizam (analgésicos misturados à droga as impedem de sentir a dor).

A redução da imunidade, consequência do uso continuado da cocaína, explica o número elevado de casos de tuberculose entre essas pessoas. Já a prostituição e a prática de sexo inseguro em troca de algumas pedras elevam a frequência de doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e Aids, bem mais comum entre os frequentadores da Cracolândia do que no resto da população.

Foi nessa região que o crack surgiu no Brasil no final dos anos 1980, antes de se espalhar pelo país. Tanto a cocaína aspirada (em pó) como a fumada (crack) agem de modo semelhante no cérebro: suas moléculas, de modo indireto, aumentam a concentração do neurotransmissor dopamina nas áreas ligadas à motivação e à recompensa. O resultado é uma sensação de extrema euforia e bem-estar, que, no entanto, é fugaz.

Realizados duas vezes por dia, os ensaios da bateria Coração Valente, do programa Recomeço, inserem ritmo e organização no dia a dia dos dependentes

Uma das principais diferenças entre a cocaína aspirada e a fumada está na velocidade de absorção, que influencia a rapidez com que a droga chega ao cérebro e o tempo que permanecerá ativa, fatores determinantes para o poder de gerar dependência. Ao cheirar uma carreira de coca, a droga é absorvida lentamente pela mucosa nasal, entra na corrente sanguínea e é parcialmente processada pelo fígado antes de alcançar o cérebro. Passam-se alguns minutos até começarem os efeitos, que podem durar mais de meia hora. Já com o crack, tudo é mais rápido e intenso. Tão logo a fumaça chega aos pulmões, a droga passa para o sangue e é levada para o cérebro em concentrações mais elevadas. O efeito é quase imediato: há uma explosão de prazer e euforia, que desaparece em minutos e leva a uma depressão intensa. Aí começam os problemas.

Em busca da sensação de bem-estar, fuma-se outra pedra. Com o tempo, as células cerebrais tentam alcançar o reequilíbrio reduzindo a quantidade de dopamina disponível. Então, torna-se necessário fumar mais para obter o mesmo resultado. Com o consumo contínuo, a cocaína passa a ser necessária para manter os níveis de dopamina a que o organismo se habituou. Sem a droga, surgem sintomas desagradáveis: agitação, ansiedade, dificuldade de concentração, explosões de raiva e depressão. Nesse ponto, fuma-se não mais pelo prazer, mas para evitar o sofrimento.

Jovens, pretos e pobres

Um levantamento nacional sobre o consumo de drogas, feito em 2012 sob a coordenação de Clarice Madruga e Ronaldo Laranjeira, estimou que 1,5% dos brasileiros com mais de 14 anos (quase 2,2 milhões de pessoas) havia consumido crack ao menos uma vez na vida. Uma proporção menor (0,8% ou 1,2 milhão de brasileiros) tinha usado a droga no ano anterior à pesquisa, um indicador de consumo atual. Esse dado torna o Brasil um dos países com maior número de consumidores no mundo. Nos Estados Unidos, onde a cocaína e o crack vêm sendo substituídos por drogas sintéticas, os usuários atuais somam 0,3% da população maior de 12 anos, totalizando 8 milhões.

Também em 2012 o psiquiatra Francisco Inácio Bastos e a estatística Neilane Bertoni, ambos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, traçaram o perfil dos usuários de crack. Os pesquisadores foram às cracolândias e entrevistaram, em todos os estados brasileiros, 7,3 mil pessoas que faziam uso frequente de crack. Eles verificaram que as cracolândias são ocupadas por jovens pretos e pobres: 78% eram homens, 85% tinham entre 18 e 40 anos, 80% eram pretos ou pardos e 58% só haviam estudado até a 8a série do ensino fundamental. Quatro de cada 10 moravam nas ruas, 65% trabalhavam por conta própria, 10% cometiam furtos ou roubos e 7% se prostituíam para conseguir a droga, que consumiam havia bastante tempo (6,5 anos, em média) e em grandes quantidades (13 pedras por dia).

No programa De Braços Abertos, as oficinas de pintura, costura e conserto de bicicletas servem de espaço para aprendizagem profissional em que os participantes recebem cerca de R$ 15 por dia de trabalho

Na cidade de São Paulo, dois programas – o Recomeço, do governo estadual, e o De Braços Abertos, da prefeitura – tentam auxiliar os usuários a abandonar o consumo de crack. Criado em 2013, o programa estadual inaugurou em meados do ano seguinte a Unidade Recomeço Helvétia, um dos pilares de sua atuação, onde os pesquisadores pretendem adotar em breve o manejo de contingências. Instalada em um prédio de 11 andares no número 55 da alameda Helvétia, essa unidade oferece aos usuários acesso a um centro de convivência, no qual é possível tomar banho, cortar os cabelos, receber cuidados especiais para os pés machucados, fazer ginástica e participar de grupos terapêuticos de culinária e música. Em dois dos andares funciona uma enfermaria de desintoxicação com 21 leitos, destinada às pessoas que aceitam passar um período internadas para tentar se afastar do crack. Quem já superou essa fase tem a chance de tentar uma das 30 vagas para passar uma temporada nos apartamentos da moradia monitorada, situados no mesmo prédio, nos quais a única exigência é manter-se abstêmio. Esse sistema de acompanhamento segue um modelo já adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos e tem como meta iniciar o processo de reinserção social para que essas pessoas consigam uma renda e um lugar para viver fora da região.

Antes de chegar à Unidade Helvétia, as pessoas da Cracolândia que aceitam o tratamento são encaminhadas para o Centro de Referência de Tabaco, Álcool e Outras Drogas (Cratod), em frente ao Parque da Luz, a uns 900 metros dali. Por ser um centro de atenção psicossocial de alta complexidade em álcool e drogas, o Cratod oferece a participação em grupos terapêuticos, atendimento odontológico, encaminhamento para comunidades terapêuticas e internação. De abril a junho deste ano, o Cratod atendeu cerca de 2,6 mil usuários de crack, encaminhados para diferentes tipos de tratamento: 42% para atendimento ambulatorial; 14% para comunidades terapêuticas; e 39% para internação para a desintoxicação. “O esforço de nossos serviços é ajudar o paciente a atravessar os primeiros 90 dias de abstinência”, conta o psiquiatra Marcelo Ribeiro, professor da Unifesp e diretor técnico do Cratod.

Comida e abrigo

Na rua Helvétia, em frente ao prédio do Recomeço, funciona uma das unidades do programa De Braços Abertos, criado no início de 2014 pela Prefeitura de São Paulo. Sob uma ampla cobertura metálica instalada em um terreno do município, os usuários de crack têm acesso a banheiro, alimentação e um espaço para descansar. É uma espécie de porta de entrada de um serviço pensado exclusivamente sob o princípio da redução de danos, que nada exige em troca de quem aceita participar, nem mesmo a abstinência. “O que embasa a redução de danos é a constatação de que boa parte das pessoas que têm problemas com drogas não consegue ficar abstinente”, afirma o psiquiatra Leon Garcia, médico do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP) e um dos coordenadores da área da saúde do programa De Braços Abertos.

No tratamento da dependência química, a estratégia de redução de danos consiste em substituir aos poucos o uso de droga muito nociva por outra menos danosa. Para o crack, porém, não há um substituto eficiente. Por essa razão, segundo Garcia, o De Braços Abertos apostou em oferecer alimentação, segurança e abrigo para ajudar os dependentes a sair do mundo das drogas – o programa Recomeço, por sua vez, adota a redução de danos para evitar a gravidez indesejada, oferecendo implantes de anticoncepcionais.

“A exclusão social e a miséria precedem o uso do crack”, explica o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, também professor da Unifesp, onde há 30 anos coordena um programa de tratamento de dependência química. Considerado um dos introdutores da redução de danos no país, Silveira participou da formulação inicial do De Braços Abertos. “Na Cracolândia, a droga é consequência, e não a causa do problema”, afirma.

Cerca de 500 pessoas atualmente participam – há outras 200 na fila – do programa municipal, que, além de alimentação, moradia e trabalho remunerado, oferece também oficinas de capacitação. Recentemente, a equipe do De Braços Abertos concluiu um levantamento no qual avaliou o padrão do uso de drogas. Os dados indicam que, depois de seis meses a um ano no programa, 88% dos participantes tinham reduzido o consumo de crack, 85% tinham diminuído o de outras drogas e 83% haviam iniciado o tratamento para outros problemas de saúde, como sífilis e tuberculose, frequentes por ali. Cerca de metade também tinha retomado o contato com familiares. “Quando entraram para o programa, 14% das pessoas usavam de 80 a 100 pedras de crack por semana, hoje essa proporção é de 2%, já o número que consumia de 1 a 10 pedras passou de 22% para 47%”, conta a psicóloga Maria Angélica Comis, assessora de política de drogas do município e membro da coordenação do De Braços Abertos.

Aparentemente, nenhuma estratégia alcança índices elevados de sucesso, em especial se aplicada sozinha. Durante a avaliação do manejo de contingências, o próprio André Miguel constatou que a técnica não funcionava para todos. “Cerca de 30% das pessoas que recebiam esse tipo de intervenção nunca entregaram uma amostra de urina livre de cocaína”, conta.

Seus efeitos também parecem ter uma duração limitada. Estudos de meta-análise (que combinam os dados de várias pesquisas) do manejo de contingências para tratar a dependência de cocaína sugerem que três meses após o fim do tratamento 67% das pessoas voltam a consumir a droga. Uma forma de prolongar a abstinência seria aumentar a duração do manejo de contingências, que, além de usado para induzir a abstinência, pode ser adotado para estimular a reconexão com a família e a adesão ao tratamento, como já é feito no Canadá com os dependentes de heroína. “A fase inicial da saída de uma dependência pode gerar muita frustração, porque há muitos danos a serem reparados”, conta Clarice Madruga.

Quem investiga dependência química e formas de combatê-la sabe que, de modo geral, o tratamento exige a adoção de múltiplas abordagens para ser eficaz e produzir efeitos duradouros. “No mundo ideal, deveriam ser usadas várias estratégias”, explica o psiquiatra Frederico Duarte Garcia, coordenador do Centro de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Inicialmente, é preciso estabelecer um vínculo com o dependente e motivá-lo a entrar na cadeia de tratamento.” O tratamento pode incluir medidas que vão da redução de danos à internação, além da participação em grupos como os dos alcoólicos anônimos (AAs) e narcóticos anônimos (NAs). “O objetivo”, diz o pesquisador da UFMG, “deve ser reestruturar a vida do indivíduo entre uma recaída e outra e promover a sua reinserção na sociedade”.

Projetos

1. Avaliação de eficácia do manejo de contingências no tratamento ambulatorial padrão para indivíduos com diagnóstico de dependência por crack (nº 2013/04138-7); Modalidade Bolsa no Brasil – Doutorado Direto; Beneficiário André de Queiroz Constantino Miguel; Pesquisador responsável Ronaldo Ramos Laranjeira (Unifesp); Investimento R$ 93.378,54.
2. Avaliação de eficácia do manejo de contingências no tratamento ambulatorial padrão para indivíduos com diagnóstico de dependência por crack (nº 2011/01469-7); Modalidade à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Ronaldo Ramos Laranjeira (Unifesp); Investimento R$ 80.870,99.

Artigos científicos
MIGUEL, A. Q. et al. Contingency management is effective in promoting abstinence and retention in treatment among crack cocaine users in Brazil: A randomized controlled trial. Psychology of Addictive Behaviors. v. 30 (5). p. 536-43. Ago. 2016.
ABDALLA, R. et al. Prevalence of cocaine use in Brazil: Data from the II Brazilian National Alcohol and Drugs Survey. Addictive Behaviors. 2014.
BASTOS, F. I. e BERTONI, N. (org.). Pesquisa nacional sobre o uso de crack. Rio de Janeiro: Editora ICICT/Fiocruz. 2014.

sábado, 31 de dezembro de 2016

Psiquiatra alerta para perigos do excesso de álcool nas festas de fim de ano


 

De 2006 a 2012, uso do álcool aumentou mais entre mulheres que entre homens Arquivo/Agência Brasil
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil

Época de emoções e também de excessos, principalmente de álcool, as festas de final de ano acendem um alerta vermelho que deve ser levado em conta pelos cidadãos, recomendou o presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Outras Drogas (Abrad), psiquiatra Jorge Jaber Filho.

Em entrevista hoje (26) à Agência Brasil, Jaber informou que, do ponto de vista fisiológico, o ser humano tem necessidade de algumas substâncias químicas no cérebro, que são os neurotransmissores, que se assemelham às moléculas das drogas, como o álcool, o tabaco, a cocaína, a maconha.

“Há uma tendência na vida das pessoas, que se radicaliza nesse momento de datas festivas, de haver falta dessa substância no cérebro. Aí, a pessoa toma alguma substância, como o álcool, que é um estimulante em pequenas doses, mas que, se tomado em excesso, acaba produzindo o efeito inverso. Em vez de um estímulo ao sistema nervoso central, ela passa a ter uma inibição desse sistema, fazendo com que aumente ainda mais a depressão, decorrente muitas vezes da lembrança de pessoas queridas que não estão mais presentes”, disse o psiquiatra.

Segundo Jaber, há uma inversão de valores nas festas de fim de ano, com crescimento do aspecto mais materialista da data, e não dos valores espirituais. “Assim, as pessoas acabam abusando dessas substâncias, que adicionam no organismo, como adicionam comidas”. Ele explicou que, a partir daí, há um abuso que pode ser o fator determinante de doenças como alcoolismo e dependência química.

O psiquiatra salientou que, nessa época, costuma aumentar o número de internações tanto em hospitais de pronto-socorro como em clínicas psiquiátricas. “A situação da saúde pública ainda não conseguiu resolver a questão de leitos hospitalares e, em relação à saúde mental, vigora a política da redução do dano. Ou seja, a pessoa pode usar [álcool, no caso], desde que não cometa atos que piorem a sua vida”. Segundo ele, o Brasil está experimentando esse tipo de política, mas, aparentemente, não tem tido o sucesso esperado. Isso é constatado pela existência de cracolândias, áreas onde se reúnem centenas de pessoas drogadas, principalmente nas grandes metrópoles.

Jaber lembrou que quase todas as pessoas que usam álcool começaram usando tabaco e daí passaram para a maconha. “Quase todos os que usam maconha começaram com tabaco ou álcool. Essas três drogas são fundamentais para levar ao uso da cocaína.”

De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), feito pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de São Paulo, a proporção de bebedores frequentes (que bebem uma vez por semana ou mais) subiu 20% no país entre 2006 e 2012, passando de 45% para 54%. A expansão entre as mulheres (34,5%) foi maior do que entre os homens (14,2%), no período pesquisado.

Em termos de concentração do consumo de álcool, o levantamento mostra que 20% dos adultos brasileiros que mais bebem ingerem 56% de todo o álcool consumido. A pesquisa revela ainda que quase dois de cada dez bebedores apresentaram critérios para abuso ou dependência de álcool e que 32% dos adultos que bebem relataram não terem sido capazes de parar depois que começaram a beber.

O levantamento constatou também a relação entre abuso de álcool e depressão. Dos 5% de brasileiros que tentaram tirar a própria vida entre 2006 e 2012, em mais de dois de cada dez casos, o que equivale a 24%, a tentativa estava relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas.

Para o presidente da Abrad, a tendência é aumentar o uso de álcool no Brasil. “O que nós temos visto é um aumento do custo na saúde pública da liberação do álcool para menores de 18 anos. E isso leva a um abuso cada vez mais cedo nos jovens, gerando alterações físicas e mentais muito importantes”. Jaber criticou a falta de fiscalização na venda de bebidas para crianças e adolescentes, principalmente em postos de gasolina, onde os jovens compram suco ou refrigerante e tomam misturado a álcool. “Todos veem isso acontecer e não há um efetivo combate a essa prática.”

O psiquiatra ressaltou que não há distinção de classe social ou de nível socioeconômico entre os bebedores de álcool no país. “Os mais abastados costumam misturar vodca com bebidas energéticas ou cafeínicos, enquanto os menos abastados procuram tomar cerveja com cachaça ou fazer essas misturas chamadas batidas, que misturam cachaça com refrescos ou refrigerantes”. Ele destacou ainda que, nas comunidades carentes, a situação econômica favorece a venda de substâncias ilícitas, como o álcool, entre menores de idade. (Alana Gandra)
Edição: Valéria Aguiar
Fonte: Agência Brasil 

Verão, adolescentes e álcool


 

No verão a combinação dos elementos “férias” e “calor” pode criar um cenário de maior risco para que jovens experimentem bebidas alcoólicas, o que exige atenção redobrada da família. O álcool, que é a substância mais consumida pelos jovens, pode comprometer o Sistema Nervoso Central (SNC), que ainda está em desenvolvimento durante a adolescência. Por isso, o consumo de álcool por crianças e adolescentes é inaceitável. Ademais, somado à impulsividade comum nessa faixa etária, o consumo de bebidas alcoólicas pode favorecer comportamentos de risco e prejudicar o desempenho na escola.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que, entre alunos de 13 a 15 anos, a experimentação de álcool subiu de 50,3% em 2012 para 55,5% em 2015. Além disso, 21,4% desses adolescentes relataram já terem sofrido algum episódio de embriaguez na vida. A pesquisa mostrou também que meninas dessa faixa etária estão bebendo mais que os meninos, sendo que a taxa de experimentação de álcool é maior entre elas (56,1% vs. 54,8%) e também o uso de álcool nos últimos 30 dias (25,1% vs. 22,5%).

Esses dados são particularmente preocupantes, considerando que elas são mais sensíveis aos efeitos do álcool. Isso ocorre principalmente por dois motivos: a quantidade de água presente no corpo feminino é menor, o que faz com que o álcool fique muito mais concentrado; as mulheres apresentam menores níveis das enzimas que metabolizam o álcool, e por isso demoram mais para eliminá-lo do organismo. No caso das meninas, um estudo mostrou que problemas com a imagem corporal podem estar relacionados ao uso de álcool.

Diante desse cenário, o CISA recomenda aos pais e familiares que conversem com seus filhos sobre o tema para preveni-los do uso nocivo de álcool. Lembrando que, para estabelecer limites, não é preciso fazer sermões e ser autoritário: mostrar apoio e ser amável durante o diálogo gera uma relação de confiança. Ressaltamos ainda que crianças e adolescentes estão sempre atentos às atitudes dos pais, por isso é fundamental ter atitudes e hábitos saudáveis: você é o exemplo mais importante para seus filhos.
Fonte:CISA - Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Quando o álcool e a droga destroem uma família




VEJA - Blog Letra de Médico
por Ronaldo Laranjeira
Se hoje o Brasil não dispõe de uma política de drogas eficiente no que diz respeito à prevenção e tratamento para usuários, o que dizer então de iniciativas voltadas aos seus familiares?

Sempre que falamos sobre o problema da dependência química, obviamente, uma das primeiras coisas que vem à mente é o usuário de drogas. Porém, ele não é o único impactado por essa tragédia social. No âmbito familiar, para cada usuário de drogas existem mais quatro pessoas afetadas, em média, segundo dados do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), atingindo 28 milhões de brasileiros aproximadamente.

Pela minha experiência, reforçada por Maria de Fátima Padin, coautora deste texto, posso afirmar que o mais curioso é que a dimensão da consequência que o uso de drogas provoca no núcleo familiar é raramente abordada pela mídia e governantes, ou estudada por pesquisadores na proporção que deveria. A família, ao mesmo tempo em que é um dos pilares na luta contra a dependência química, é um dos grupos mais afetados por ela em diversos aspectos, necessitando de apoio específico.

Um dos maiores estudos feitos até o momento sobre o tema foi o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), conduzido pelo Inpad. E os dados levantados são, no mínimo, preocupantes: 22% da população brasileira foi vítima de violência doméstica na infância, sendo que, em 20% dos casos, o abusador estava alcoolizado. A cocaína está associada a 31% dos casos de violência física na infância, enquanto a maconha está ligada a 12% das ocorrências do tipo.

Se hoje o Brasil infelizmente não dispõe de recursos e de uma política de drogas eficiente no que diz respeito à prevenção e tratamento para usuários, o que dizer então de iniciativas voltadas aos seus familiares? Os números acima mostram apenas parte do problema, e por si só já são alarmantes. Estamos falando de pessoas que necessitam de suporte para lidar com o uso de substâncias psicoativas por um pai, mãe ou filho, enfim, diminuindo as possibilidades de violência e desenvolvimento de transtornos emocionais, provocados pela situação.

Como mencionado antes: a família é um dos principais pilares na luta contra a dependência química e nossos governantes têm de prestar atenção nesse público específico, que, comumente não sabe lidar com tal circunstância. A qualificação de pessoas, para se comunicar assertivamente com seus parentes sobre drogas é crucial; porém nas metrópoles os programas públicos que oferecem esse tipo de recurso são escassos.

Um dos poucos que existem está em São Paulo e tem o objetivo de orientar e apoiar os familiares de dependentes químicos, oferecendo acesso a dados sobre tratamento, atendimentos individuais, além de terapia em grupo.

(Para saber mais, acesse o site: www.programarecomeco.sp.gov.br)

Ainda segundo dados do Lenad Família, 8% da população foi exposta ao consumo de drogas ilícitas no ambiente familiar, o que, sem dúvidas, contribui para a preocupação com o modelo que nossas crianças estão vivenciando.

Aproximadamente metade dos jovens que têm entre 14 e 25 anos consome bebidas alcoólicas, número que passa a 26% entre menores de idade, de acordo com dados do Inpad. Já 36% dos jovens que informaram o consumo fazem uso nocivo do álcool semanalmente. Passando para as drogas ilícitas, a porcentagem da população jovem que afirmou ter usado maconha chega a quase 5%.

Quando analisamos o quadro por completo, vemos um problema complexo, porém, com solução. Parte dela deve começar na escola, com a aplicação de orientações sobre prevenção ao uso de substâncias e à violência, como parte do currículo escolar. Além disso, é fundamental propiciar às famílias orientações sobre como lidar com as drogas, principalmente às que tiverem integrantes usando substâncias psicoativas, Os pais são os melhores “agentes de prevenção” que temos. Isso é investir em prevenção e tratamento, que se caracteriza como uma das principais formas de combater o problema das drogas, evitando inclusive o encarceramento de usuários, que está longe de ser a solução.

Mas tais medidas só serão eficazes se os governos, em seus diversos âmbitos, adotarem políticas claras de prevenção. Do jeito que o debate é conduzido hoje, de forma improdutiva e sem ações concretas, continuaremos apostando em políticas que simplesmente não dão resultados. Agora, ações como a conscientização e educação da população sobre uso de substâncias psicoativas, aliadas à oferta de atendimento de qualidade contra a dependência química, essas sim, provocarão uma profunda mudança em nosso país.
por Ronaldo Laranjeira
Fonte:UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas

Abuso de drogas e suas consequências na saúde bucal: uma revisão de literatura


 


Portal Metodista - Faculdade de Odontologia /2016
Lídia Audrey Rocha Valadas, Edilson Martins Rodrigues Neto, Mara Assef Leitão Lotif, Antônio Pergentino Nunes Neto, Joelma Martins Mororó, Patrícia Leal Dantas Lobo

Resumo: O abuso de drogas é um dos principais problemas sociais e de saúde pública do mundo. Alguns estudos sugerem um aumento significativo do número de dependentes químicos com manifestações orais decorrentes do consumo de drogas, bem como a falta de conhecimento por parte dos cirurgiões-dentistas quanto ao assunto. Objetivou-se nesse artigo realizar um levantamento na literatura acerca das principais consequências na cavidade bucal decorrentes do consumo das drogas lícitas e ilícitas mais utilizadas. Para isso, realizou-se uma revisão de literatura de artigos publicados sobre o assunto, sobretudo, por meio dos bancos de dados MEDLINE e LILACS, utilizando como descritores as seguintes palavras: “manifestações bucais”, “drogas de abuso”, “alterações bucais”. Dessa forma, foram selecionados 25 artigos publicados entre 1985 e 2012. O uso de substâncias psicoativas pode gerar vários danos a saúde oral que vão desde halitose e gengivite ao câncer de boca. Com o cirurgião dentista realizando o reconhecimento inicial, o dependente químico pode receber tanto o tratamento odontológico quanto ser encaminhado aos demais profissionais da saúde, visando o acompanhamento multidisciplinar de acordo com as necessidades individuais de cada paciente.

Palavras-chave
Manifestações orais; Drogas de abuso; Álcool.

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Insegurança faz garota beber mais


 


Jornal o Estado de S. Paulo
Estudo indica aumento do uso e do abuso de álcool entre os mais jovens, particularmente entre as meninas
Jairo Bouer
Foto: Michaela Rehle/Reuters

Levantamentos recentes já haviam apontado o fenômeno do aumento proporcional do consumo e abuso de álcool entre mulheres mais jovens

Garotas que têm uma percepção distorcida da sua imagem corporal correm maior risco de abusar do álcool. Estudos divulgados na semana passada mostram avanços importantes na abordagem do uso e do abuso de álcool entre os mais jovens, particularmente entre as meninas.

Pesquisadores da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, investigaram 6,5 mil garotas entre 14 e 18 anos e concluíram que uma autoimagem negativa aumenta a chance de comportamentos de risco. Quase 68% das entrevistadas já tinham bebido pelo menos uma vez na vida, 38% tinham uma percepção distorcida de si mesmas e 18% abusaram de álcool nos 30 dias antes da pesquisa. O risco de abuso foi quase 20% maior entre aquelas inseguras com seu corpo. O consumo mais pesado do álcool foi mais comum entre as meninas mais velhas, nas de origem latina, nas que já fumavam e entre aquelas que tinham iniciado sua vida sexual.

Precocemente. Os resultados vão ser publicados na edição de janeiro do periódico médico Journal of Studies on Alcohol and Drugs e foram antecipados pelo jornal inglês Daily Mail.

O trabalho não investigou especificamente as causas desse abuso de álcool, mas é possível que esse seja um comportamento adotado na tentativa de elas relaxarem, ficarem mais confortáveis com seu corpo e se sentirem mais aceitas pelo grupo. Ainda existe uma relação possível do uso de bebida como um recurso para diminuir ou controlar a fome naquelas que se enxergam acima do peso.

Levantamentos recentes já haviam apontado o fenômeno do aumento proporcional do consumo e abuso de álcool entre as mulheres mais jovens, sendo que em alguns países elas já bebem mais do que os garotos. Interessante pensar que parte desse fenômeno, além das transformações sociais que deixaram o comportamento entre os dois gêneros cada vez mais parecido, pode ter relação com a insatisfação com questões físicas e corporais, que tendem a ser mais frequentes entre as mulheres.

Geração mais “limpa”. Novos dados também divulgados na última semana revelam que uma nova geração de 8 a 15 anos, que bebe e fuma menos, pode estar a caminho. Números do NHS(Sistema Nacional de Saúde, do Reino Unido), mostram que apenas um em cada seis jovens (17%) nessa faixa etária já bebeu. Em 2003, esse índice era de 45%. Em relação ao cigarro, 4% já fumaram. Em 2003, 19% já tinham experimentado o tabaco. A pesquisa avaliou 5.700 crianças.

Segundo os especialistas, o fenômeno se deve, em parte, ao fato de crianças e jovens ficarem cada vez mais tempo conectados na internet, dentro de suas casas. Eles têm frequentado menos festas, parques, ruas e pubs e, portanto, ficam menos expostos à influência dos pares para o consumo de álcool e cigarro.

Os alertas em relação aos riscos das substâncias podem ter chegado, também, com mais força a essa geração, sinalizando que a educação nas escolas para o consumo responsável e as campanhas de informação complementam as estratégias de prevenção. O maior controle nos pontos de venda também pode ter efeito na queda do consumo por menores de 18. Assim, os jovens têm hoje mais subsídios para fazer melhores escolhas.

Nos Estados Unidos, existe tendência semelhante. Um novo levantamento divulgado pela Universidade de Michigan,Monitoring the Future (Monitorando o Futuro), que contou com a participação de mais de 45 mil estudantes americanos de 14, 16 e 18 anos, mostra que apesar de o álcool continuar sendo a droga mais utilizada no país pelos jovens, seu consumo está em queda nos últimos anos. Os dados são da agência de notícia Efe e doDaily Mail.

Em 2016, pouco mais de um terço dos adolescentes de 18 anos já bebeu nos EUA (37%). Em 2001, esse valor era de 53%. O consumo de outras drogas também caiu no geral. A única exceção é a maconha, cujo consumo se manteve estável nos últimos anos.

Por aqui, além de um melhor controle da venda de álcool para menores, ações nas escolas, mais campanhas de prevenção e engajamento de jovens em projetos que focam no consumo responsável podem trazer resultados semelhantes em um futuro próximo.
Jairo Bouer é Psiquiatra
Fonte:UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas