quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Cocaína se ´populariza` mais do que crack em usuários de Alagoas


 


(Imagem Reprodução)
Tribuna Hoje
Preço atrai usuários de crack com diferença mínima ofertada por traficantes para uma droga ´mais qualificada`
Ana Paula Omena / Tribuna Independente

São poucas as clínicas especializadas na recuperação de dependentes químicos e os custos são elevados

O número maior de apreensões de cocaína que de crack em Alagoas, observada por profissionais que lidam com a segurança pública e com políticas de prevenção as drogas, reforçou que houve uma migração de usuários de crack para a cocaína no Estado.

Indagado sobre este aumento de apreensões de cocaína, o delegado responsável pela Delegacia de Repressão ao Narcotráfico (DRN), Gustavo Henrique, disse não haver nenhuma pesquisa científica que comprove que o preço ofertado pelos traficantes está atraindo usuários de crack para a droga antes vista somente em áreas nobres.

“O preço do varejo, bem como do atacado da cocaína é quase o mesmo, a diferença é mínima e os usuários tem uma droga de qualidade superior ao crack”, observou. Segundo o delegado, enquanto o quilo da cocaína custa R$ 20 mil, o quilo do crack gira em torno de R$ 15 mil. Ao usuário, um grama de cocaína sai em torno de R$ 50 a 60, enquanto a do crack R$ 40 a 50.

“No passado, o preço da cocaína era o dobro, hoje encontramos com valores semelhantes o que acaba por atrair o usuário de crack por ser um entorpecente de melhor qualidade”, avaliou.

Somente em 2015, a DRN apreendeu 33 quilos de cocaína no Estado, contra 23 quilos e meio em 2014. O crack veio em seguida com uma menor quantidade, foram 31 quilos apreendidos em 2015, contra 25 quilos no em 2014. Em 2013, de acordo com os dados da delegacia especializada, foram apenas nove quilos de cocaína apreendidos e 58 quilos de crack.

“Elementos práticos indicam esta migração do crack para a cocaína quando são tiradas de circulação”, salientou Gustavo Henrique.

Noélia Costa, presidente do Fórum Permanente de Combate às Drogas, ficou surpresa com a informação, e lamentou que políticas públicas fossem frágeis para evitar a situação de dependência química que assola a população alagoana.

“Sentimos dificuldade de encontrar vagas para os dependentes de drogas, têm as comunidades terapêuticas e comunidades acolhedoras, mas o governo terceirizou e só existe hoje o Portugal Ramalho. Existem também as clínicas particulares involuntárias que o governo banca o tratamento que custa R$ 4.600 cada paciente, que estão devendo e algumas pretendem até fechar as portas”, revelou Noélia Costa.

Ex-usuário da cocaína diz que é possível vencer a dependência
Raul Silva (pseudônimo) está há três anos “limpo” da dependência da cocaína. Ele que começou com 34 anos usando a droga, diz que a mesma tem um efeito devastador: “No primeiro momento é puro prazer, depois vem a depressão, você sente vontade de morrer, de se matar, sua autoestima vai a zero”, relembrou.

O ex-usuário disse que usava cerca de seis gramas de cocaína por dia, um gasto médio de R$ 4.500 por mês. “Eu conseguia trabalhar, pagar minhas contas, mas estava comprometendo a minha saúde e a da minha família, por pouco não me separei da minha esposa que na época não sabia do meu uso da droga, embora a cocaína fosse a minha companheira inseparável, quando sentia vontade corria para um banheiro e usava”, revelou.

Raul foi mais além após parar de usar a cocaína, ele fez um curso técnico em dependência química e atualmente ajuda clínicas de recuperação com orientações, acompanhamento e palestras.

Para ele, a ajuda da família foi fundamental na sua luta contra a dependência química, bem como a religião.

“A família sofre ainda mais que a gente que está no uso do entorpecente, fui ao fundo do poço, mas sobrevivi, existe volta, basta querer, não é fácil e nem difícil, mas é possível vencer”, destacou Raul.

Uso da droga pode ser mais incentivado que crack, diz secretário

De acordo com o secretário de Estado de Prevenção à Violência (Seprev/AL), Jardel Aderico, o que pode estar acontecendo, é que o consumo da cocaína esteja sendo mais incentivado do que o consumo de crack.

“Por quê? Ainda não existe uma resposta certa para isso. O que existem são diversas interpretações: uma delas é talvez o próprio tráfico, na sua concepção de negócio, tenha percebido ou avaliado muito mais lucratividade e força no comércio da cocaína. O que se percebeu nos nossos serviços foi um aumento no acolhimento de dependentes químicos de cocaína. Ainda não dá para fechar números exatos sobre isso, mas existe uma percepção da nossa equipe de que há um aumento de usuários de cocaína e uma diminuição dos usuários de crack”, explicou.

O secretário disse ainda que as comunidades acolhedoras não mudaram sua forma de atuação diante desta mudança. Porém há uma clareza de que as consequências do uso da cocaína, no ponto de vista social, não são tão perceptíveis. “A gente consegue conviver com o usuário de cocaína sem perceber que ele é usuário. Nota-se que o dependente de cocaína tem maior dificuldade de perceber que ele precisa de ajuda, leva mais tempo que o usuário de crack. Então há cada vez mais a necessidade do trabalho dos Anjos da Paz para que o serviço se aproxime mais das pessoas e construa nestes ambientes processos de conscientização”, ressaltou.

“Essa talvez seja a diferença entre o usuário de cocaína e de crack: o primeiro consegue disfarçar melhor a relação com a droga, o segundo se afunda socialmente muito mais rápido. É preciso que a gente consiga compreender um pouco essa diferença e entender que a rede de acolhimento vai ter que considerar essa realidade e se preparar para atuar com esse cenário social diferente. Repito, não é a droga, mas sim o entorno social dela. O usuário dessa droga e a forma dele lidar com ela. É sobre isso que vamos atuar”, concluiu.
Fonte:UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas

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