terça-feira, 22 de agosto de 2017

Novos vícios e antigas drogas




Olhos fixos na tela do game: longe da realidade fora das máquinas (Foto: Thinkstock)

Games e mídias sociais operam na lógica de várias drogas, com feedback e recompensas

O tempo gasto por crianças e jovens em tablets, celulares e similares preocupa pais e especialistas. Ansiedade, distúrbios do sono, isolamento e dispersão são relacionados ao abuso de eletrônicos. Filmes e jogos na infância e redes sociais e games na adolescência –vitaminados pela portabilidade dos aparelhos – têm afastado as novas gerações da realidade fora das máquinas, reduzindo o aprendizado de habilidades sociais e motoras. Fazer amigos, praticar atividades físicas e trabalhar em equipe são diretamente comprometidos pelo excesso de interação digital.

Nos Estados Unidos, médicos estão intrigados com a queda do consumo de drogas nos últimos dez anos entre jovens. No mesmo período, aconteceu uma explosão do uso de smartphones. Em 2015, uma pesquisa constatou que americanos entre 13 e 18 anos gastavam cerca de seis horas diárias em frente à telinha. A hipótese é que substâncias químicas e celular proporcionam efeitos parecidos (como prazer e estímulo mental), com a vantagem de o último ser legal e incentivado desde cedo, daí a substituição de um por outro. Quem nunca emprestou o aparelho ao filho pequeno para aplacar uma crise de choro?

Games e mídias sociais operam na lógica de várias drogas, com feedback e recompensas. Os jogos são altamente sensíveis aos nossos anseios – respondem mediante comandos. E trazem a expectativa de vitória (nunca a certeza), o que mantém o usuário sempre disposto a mais uma rodada. O mesmo raciocínio se aplica às curtidas, views e compartilhamentos – são imprevisíveis e afagam (ou ferem) egos.

A dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar, é ativada quando cumprimos metas. Adictos apresentam deficiência dela e abusam para conseguir a próxima dose. Entender e tratar as causas de excessos relacionados à tecnologia – eles não são a raiz, mas a expressão de outros desequilíbrios – é tarefa multidisciplinar e urgente. Sob pena de gadgets e seus usos transformarem-se em problema e não solução.

Enquanto a dependência tecnológica nos desafia, drogas psicodélicas parecem à beira da redenção. LSD (uma bem conhecida droga dos anos 40), psilocibina (encontrada nos cogumelos mágicos) ou ecstasy têm despertado interesse crescente de pesquisadores e usuários com novas aplicações. Apesar de ilegal, a administração de microdoses de LSD para melhorar a criatividade, concentração e ânimo virou moda entre americanos que buscam incrementar o desempenho mental ou tratar a depressão resistente a tratamentos convencionais. Substâncias alucinógenas vêm obtendo financiamento para pesquisa em instituições renomadas, principalmente por seu potencial terapêutico.

O uso de ecstasy (metilenodioximetanfetamina ou MDMA), por sua vez, ganha adeptos entre os que sofrem de estresse pós-traumático, mal que acomete pessoas envolvidas em situações de violência. Ele aumenta a sensação de confiança nos outros e a clareza sobre o trauma, auxiliando no enfrentamento do problema. Já em estudo entre humanos, há perspectiva de ser aprovado como medicamento pelo Food and Drug Administration (FDA) até 2021.

Em tempos de Inteligência Artificial e intensa competição no mercado de trabalho, é provável que cérebros ”turbinados” por fármacos ou drogas psicodélicas tornem-se um fenômeno relativamente comum. Quais as consequências dessa prática no longo prazo? Não há respostas. Há testes em ratos que após um longo período de administração de microdoses de LSD apresentaram comportamento agressivo de tipo psicótico.

Há os que propõe outro caminho para a melhora da performance funcional ou mesmo da existencial: a meditação. Viagens psicodélicas e meditação avançada ambas oferecem meios para a chamada “dissolução do ego” – a redução da noção de si, que permite experimentar o mundo que nos cerca de outra forma, reavaliando assim prioridades e nossa própria forma de ser e agir. A meditação transcendental reconhecidamente contribui para a melhora de vários aspectos da saúde física e mental – funções cognitivas são um deles.

A complexidade da vida contemporânea exige mais e mais de nossas capacidades intelectuais e emocionais. Seja pela ingestão de aditivos ou por via da meditação seguimos em busca da superação permanente para que... para que... para que mesmo?
*CEO da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam
Fonte: Época

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