quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Crack ainda entorta boca na cracolândia

Crack ainda entorta boca na cracolândia                                                                                                 

Diário de S. Paulo
Secretário de Saúde visitou o Centro e deu uma olhada no reflexo do programa De Braços Abertos

O secretário municipal de Saúde, José de Filippi Junior, visitou, nesta segunda, o Centro da cidade para ver de perto como anda o programa De Braços Abertos, que dá trabalho de varredor de rua ou zelador de praça, comida, moradia e R$ 15 por dia ao usuário de crack beneficiado pela ação. A dois metros dele, um grupo de jovens usava a droga, descaradamente. Secretário, é isso o que o senhor esperava ver?, perguntou o DIÁRIO. “Não dá para acabar em dez dias com um problema de dez anos”, respondeu.

Consumo da droga corre sem controle dentro dos quartos

Quem luta para sair do vício do crack e aderiu ao programa municipal De Braços Abertos reclama que a ação da Prefeitura é “o lobo vestido de cordeiro”.

“Eu estou nesse De Braços Abertos há uma semana. No meu quarto são cinco pessoas. Todas fumam crack dentro do quarto. Eu até peço para a galera não fumar, mas ninguém me ouve. Como é que eu posso parar de usar desse jeito? É óbvio que acabo fumando porque a fissura aumenta ao sentir o cheiro, ao ver a fumaça do crack“, desabafou Vanderlei da Silva, de 38 anos, usuário de crack há 25 anos, pai de cinco filhos, o mais novo com 2 anos de idade.

Ele está hospedado em um dos quartos do hotel Seoul, localizado numa esquina da Rua Helvétia, Centro, ponto nevrálgico da Cracolândia.

Morador de Barueri, Grande São Paulo, antes de viver nas ruas da capital Vanderlei trabalhava como operador de máquinas numa empresa de cabides. “Estou me esforçando nesse trabalho de varredor. Com os R$ 15 que vou ganhar (como ele está no programa há uma semana, Vanderlei diz que ainda não ganhou a quantia), pretendo comprar uns cremes para mim”, disse, dando a entender que ainda mantém a vaidade.
Outro beneficiado pelo programa De Braços Abertos é Alex do Carmo, de 35 anos. Ele e a mulher também moram em um hotel pago pela Prefeitura. O estabelecimento fica numa esquina da Rua Helvétia e é conhecido na região como hotel do Seu Cícero.

Alex admite que usa crack dentro do quarto. “Tem um cachimbo lá no quarto. A gente, às vezes, usa mesmo. Não vou negar. É mais forte do que a gente. Só quem já usou sabe o quanto é difícil largar o vício do crack. Mas não fico mais no fluxo, no movimento. Esse trabalho está me ajudando a sair, aos poucos, do crack”, afirmou.

O QUE DISSE A PREFEITURA
Troca de hotel é pontual Em nota, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, uma das pastas responsáveis pelo programa De Braços Abertos, informou que os casos de mudanças de hotéis pelos beneficiários do programa são pontos isolados, que não atrapalham o desenvolvimento do projeto. “Há casos pontuais de beneficiários que mudaram de hotéis em razão de desavenças com outros beneficiários. Essas mudanças não impediram o acompanhamento deles pelas assistentes sociais”, afirmou a pasta. Dependentes químicos mudam de hotéis à vontade Não é apenas o uso de crack nos quartos dos hotéis, que ficam dentro do perímetro da Cracolândia, que gera insatisfação entre os beneficiados pelo programa e até mesmo entre quem trabalha no projeto De Braços Abertos. O DIÁRIO apurou que a falta de controle de quem fica e sai dos estabelecimentos é outro ponto crítico da operação.

Até agora, passado quase um mês de sua implantação, ainda não existe um cadastro completo de qual usuário mora em cada hotel. Há um troca-troca generalizado, motivado por brigas entre os beneficiados ou simplesmente pela vontade de mudar de hotel.

A situação dificulta o acompanhamento dos técnicos da Prefeitura, como, por exemplo, os assistentes sociais, que não conseguem aferir se os beneficiados estão cumprindo as regras do programa. Estava marcada para ontem uma reunião entre integrantes da administração municipal e os donos dos hotéis que fazem parte do programa. O objetivo do encontro seria justamente mudar esse quadro de rotatividade.
A maneira seria a criação de um sistema de controle que impeça um beneficiário mudar de quarto e, sobretudo, de hotel, sem que haja uma justificativa plausível.

Quem trabalha no programa quer que haja um congelamento dessas mudanças. Assim, o cadastro de quem faz parte da ação da Prefeitura poderá ser concluído com mais rapidez. Além das mudanças constantes de hotel, a ausência de portaria 24 horas em alguns deles dificulta um maior controle dos beneficiados. A situação agrava-se principalmente na madrugada.

O QUE DISSE A PREFEITURA
Ação é resgate de dignidade Mesmo sendo indagada sobre o consumo de crack dentro dos quartos, a Prefeitura preferiu não entrar diretamente na questão. Em nota, a administração municipal disse: “O objetivo da operação De Braços Abertos em um primeiro momento é o resgate da autoestima e da dignidade do dependente, por meio de alternativas como a oferta de postos nas frentes de trabalho remunerado, cursos de qualificação, moradia e alimentação, com acompanhamento da assistência social. A Prefeitura também oferece tratamento de saúde, com encaminhamento aos Centros de Atenção Psicossocial ou para internação em leitos de hospital ou de comunidades terapêuticas. Viciados reclamam falta de creche aos filhos A falta de creches às crianças filhas dos beneficiados também incomoda tanto quem trabalha como quem é beneficiado pela operação De Braços Abertos.
Em reunião entre membros da administração municipal e representante de uma ONG que atua no programa e tem até base na Cracolândia, as crianças dos beneficiários foram mencionadas.
“Existem os beneficiários e um subgrupo, que são os filhos deles. É preciso criar vagas em creches para colocar essas crianças enquanto os pais delas estão trabalhando no programa De Braços Abertos. Do jeito que está não pode (continuar)”, afirmou uma integrante da Prefeitura durante a reunião, acompanhada pelo DIÁRIO.

Um dos beneficiados participava da reunião. Identificado apenas como Teodoro, ele dizia não saber o que fazer com seu bebê, enquanto varre as ruas.

Os trabalhos desenvolvidos pelos usuários de crack ocorrem no período matutino. Outro problema é a alimentação das crianças nos fins de semana. Como o Bom Prato da Rua Dino Bueno, no meio da Cracolândia, funciona apenas de segunda-feira a sexta-feira e é lá que os beneficiados comem, as crianças ficam sem alternativa de uma refeição “saudável” aos sábados e domingos, relataram usuários aos integrantes da Prefeitura. “Meu bebê está comendo comida muito pesada de sábado e domingo”, reclamou Tedooro.

O QUE DISSE A PREFEITURA
Creche está em análise Apesar de ter sido questionada pelo DIÁRIO sobre os motivos que fazem os beneficiários do programa De Braços Abertos não conseguirem vagas para seus filhos em creches municipais, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo limitou-se a responder “que o assunto está em análise”. A administração municipal, contudo, não informou quando o problema será resolvido, quantas vagas serão abertas, para quais creches serão levadas as crianças filhas dos usuários de crack que fazem parte do programa nem o investimento que aportará.

análise: Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e diretor do Programa a Dependentes da Unifesp Programa é o melhor de todos

É preciso ter paciência com a operação De Braços Abertos. Ela ataca nos principais focos do vício em crack e de todos os outros vícios. São eles o desemprego, a ausência de moradia, a quebra da autoestima. É claro que existem pontos a serem acertados, como, por exemplo, essa rotatividade de hotéis. Mas sobre os hotéis serem na Cracolândia, não vejo problemas. Em qual ponto da cidade não existe traficante? De todas as ações já implantadas para acabar com a Cracolândia, essa é a melhor.
Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário